O que é este Blogue?

Quando se junta uma amálgama de palavras, um conto ou um poema podem sempre emergir. A sua divulgação fará que não morram esconsos numa escura e funda gaveta. Daí que às minhas palavras quero juntar as de outros que desejem participar. Os meus trabalhos estão publicados sob o pseudónimo: "Lobitino Almeida N'gola". Nas fotos e pinturas cliquem nos nomes e acedam às fontes.

terça-feira, janeiro 30, 2007

África

"África Selvagem"
(Uma maravilhosa foto
daqui)

África*

Senhor, clemência!
O mundo lá fora apodrece
E o mundo aqui dentro do peito
A pulsar insatisfeito, entristece.
Quanta gente faminta a implorar!
São crianças esquálidas,
Filhas de pais e mães esqueléticas.
Eram negros belos!
Passam de novo pelo mesmo azedume.
África sempre a África por estrume.
África de lindas florestas e cascatas.
A exuberante África!
De homens, mulheres e crianças
Aidéticas e mutiladas.
Minha querida África!
Paraíso do mundo!
Por tantos anos
Foi a força de trabalho escravo
Das Américas de todos os Colombos
E para seus filhos só ficaram
Guerra, doença e abandono.
Olhai, Senhor!
Estes negros tristes e esqueléticos,
Tão amargos e tão tétricos!
Arrancai, Senhor!
Esta ofensa aos olhos do mundo.
Até hoje ecoa embalde
O grito de Castro Alves!
Clemência, Senhor!
Basta de iniqüidade.
Chega de sofrimento.
Fazei do continente africano
Embora tão tarde,
Um porvir de liberdade!


*Ângelo Martins*
*(poeta brasileiro; publicado inicialmente
aqui)

Conto brasileiro 3: Uma certa menina do Interior

“La Prostituta”
(Escultura em terracota,
Martini Arturo [1889-1947])
-.
Uma certa menina do Interior*

Ozária morava no Tabuí. De família pobre, como pobre era a cidadezinha. Mas Ozária tinha um sonho e resolveu colocá-lo em prática para mudar de vida. Decidiu ir pra capital. Ganhar a vida como empregada doméstica. Ser doméstica na capital não era coisa pra qualquer uma não. E lá se foi Ozária, vestidinho de chita, precata roda, trança no cabelo preto amarradinho na ponta com palha de milho e uma maletinha de papelão com umas bugigangas variadas.
Ozária batalhou na capital. Passou um ano. Passaram dois. No terceiro, não resistindo às saudades, resolveu voltar à terrinha. Dia marcado, tava Tabuí em peso esperando por ela naquilo que era um arremedo de rodoviária. Um frejo danado. Todo mundo queria ver Ozária que, segundo se dizia a boca pequena, tinha mudado na vida.
Quando chegou a jardineira do Valdino tudo se fez silêncio. Cada um queria ser o primeiro a avistar a Ozária. Parece que a cidade só tinha homens. Cada qual se virava como podia. Os de trás na pontinha dos pés, pescoço esticadinho, mãos apoiando nas costas do companheiro da frente. E ela, só para fazer suspense, foi a última a descer da jardineira. Tão diferente estava a moça! Cabelinho curtinho tingido de amarelo. Ruge no rosto. Batom vermelhão nos beiços. Brincos com argolões nas orelhas. Pinta pintada bem grandona na bochecha esquerda. Vestidinho decotado, deixando livre mais da metade da peitaria e, curtinho, quase mostrando as coisas de baixo. Alguns da platéia depois juraram que a roupa de baixo era vermelha. Nas costas um ziper, daqueles que de cima a baixo rapidinho. No peito esquerdo o desenho de um coração com uma setinha e uma frase estranha, desconhecida daqueles olhos gulosos: "I love you". E para completar, Ozária usava uns sapatos com saltos dessa altura. E aquele bumbum empinado, que tinha já provocado muitos sonhos entre a machaiada de Tabuí, estava mais arrebitadinho ainda. Era outra Ozária. Pelo jeito, tinha mesmo mudado de vida... abrem
O povão começou a gungunar baixinho, uns a olhar para ela com olhos de fome, outros com um risinho de gaiato brotando no canto da boca até que um mais animadinho resolveu, sob o olhar curioso e angustiado de todos, num suspense danado, perguntar o que queriam saber, mas não tinham coragem para dirigir a palavra a uma donzelice tão distinta:
- Oi Ozária, cê tá tão diferente, né?
E ela, candidamente, dando uma empinadinha, ajeitando a bolsinha no ombro e olhando pro alto, com desdém para todos os machões, respondeu:
- Hã! Hã!... Emputeci!...

*Eurico de Andrade*
*(contista brasileiro; retirado
daqui)

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Vontade...

"Fire & Ice"
(Foto de
Howard Austin Feld)

Vontade ...*

Hoje deu-me vontade de escrever
Escrever não sei o quê, mas para ti

Hoje deu-me vontade de te abraçar
De me perder nos teus braços
De me envolver em abraços

Hoje deu-me uma grande saudade
Uma enorme vontade
De me fundir em ti

Hoje tive um imenso desejo
De te amar
De me soltar

Hoje eu queria-te
Queria viver somente contigo,
Por ti...
Hoje eu só queria teu calor
E me entregar ao cansaço
De uma noite de amor

Hoje eu queria ver teu rosto
Sentir o suor no teu corpo esgotado de amar
Hoje eu só queria dizer...
Que te quero muito!!!
Quero sentir teu corpo quente sobre o meu,
tuas mãos me acariciando, teus beijos, teu desejo....
VOCÊ!


*Suzete Madeira*
*(moçambicana; poema inédito, Janeiro-2007)

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Conto santomense 2 "A Lenda de Cantagalo"

"Galo I"
(Acrílico sobre tela (1980),
Aldemir Martins[1922-2006])
.
A Lenda de Cantagalo*
.
Há muitos anos, todos os galos do mundo refugiaram-se na Ilha de S. Tomé, talvez por ser uma terra lindíssima e boa para viver.
Quando o sol rompia as nuvens, de madrugada, punham-se todos a cantar anunciando um novo dia:«cocorocóco!»
A alegria imensa de estarem juntos e o facto das suas vozes funcionarem bem e em coro, levava-os a repetira cantaria a qualquer hora, esquecendo que incomodavam os outros habitantes do arquipélago.
Havia pessoas que lhes achavam graça e até gabavam aquela alegria contagiante que enchia a atmosfera de música. Mas a maior parte dos habitantes reclamava: "Isto não pode ser! Precisamos de sossego! Ninguém aguenta esta barulheira..."
Os dois grupos discutiam, uns a favor dos galos, outros contra. As conversas iam-se tornando tão azedas que por pouco não se envolviam à pancada. Então um homem sensato resolveu tomar medidas para resolver isto dizendo aos galos: «Aconselho-vos a emigrarem e se não aceitarem haverá guerra...»
Os galos, sendo bem-educados, decidiram partir e escolheram um rei que chefiasse a expedição; a escolha recaiu num enorme galo preto de quem todos gostavam porque tinha imensas qualidades. E deram voltas até encontrarem o local que queriam.
Aí ficaram para sempre; e as pessoas baptizaram o lugar com o nome de Cantagalo

*Tradicional*
*(Contos recolhidos pelos alunos santomenses do Liceu Nacional;
daqui)

domingo, janeiro 14, 2007

Conflitos

"Dancing to a Marble God"
(Tela de
Charles Klabunde)

Conflitos*

Quando os Homens se entenderem
e a Paz for um fruto maduro
ficará a guerra no escuro
sem futuro

Que haja gente que sonhe
falar não é nenhum muro
é sempre melhor que o barulho
com entulho

A cabeça é redonda
nela gira o pensamento
já houve tempo para o vazio
sem fundamento

A terra come a gente
em plena horizontal
é a sorte de qualquer mortal
da alvorada ao poente


*Filipe Zau*
*(poeta e investigador angolano; do livro “Encanto do mar que eu canto”)

Sinfonia

"Sinfonia"
(Colagem de técnica mista de
Susana Boettner)

Sinfonia*

A melodia crepitante das palmeiras
lambidas pelo furor duma queimada

Cor
estertor
angústia

E a música dos homens
lambidos pelo fogo das batalhas inglórias

Sorrisos
dor
angústia

E a luta gloriosa do povo

A música
que a minha alma sente


*Agostinho Neto*
*(poeta e político angolano (1922-1979);escrito em 1948 e retirado da obra Sagrada Esperança)

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Hosi, o Rei

"Leão do Cabo"**
(Tela de Rembrandt,
daqui)
**homenagem ao Leão da Abissínia, em clara extinção, cujas crias são mortas no próprio
Zoo de Adis-Abeba por falta de fundos

Hosi, o Rei*

Hosi,
é nome sonante
até para ti,
bicho possante.
És o senhor,
o rei
deste enorme e vasto império.
Desde a mansa gazela,
à onça ladina e feroz,
desde a cabrinha singela
à bela chita veloz,
todos te devem cega obediência;
desde o saltitão saguim
à pacaça possante,
desde o ágil kandimba ao bruto elefante,
todos te guardam muito respeito.
Até o bicho-homem,
citadino ou florestal,
ou a águia,
imponente e altaneira
rainha das alturas,
o hipopótamo fluvial,
ou o rinoceronte intrépido,
todos o temem,
ainda e quando dormir está
no seu leito real.
Porque Hosi,
morando em reserva, parque ou zoo,
mete respeito.
É sua majestade.
Diga-lo o Homem;
porque vê-lo
senti-lo
sempre aquém de um enorme caniçado.
E quando o seu grosso rugido
pela floresta soa,
todos os animais,
erectos, répteis ou altaneiros
p’ra sua mísera toca, voam.
É Hosi, o rei;
que sua esposa ou filhos,
procura desvairado
na sua enorme grei.
É Hosi, o senhor;
sedento,
esfomeado,
sua sede e fome, procura saciar.
É Hosi,
belo, majestoso,
ferido
ou vitorioso,
após lutas
umas vezes rápidas,
umas vezes insanas,
ruge vitória ou dor.
Hosi, Vossa Majestade,
quer seja negra ou castanha,
a vossa farta juba,
és,
sereis sempre,
o rei desta quadrada savana.


*Lobitino Almeida N’gola*
*(Feito no Lobito, Setembro de 1975 - publicado também aqui)

Os (meus) meninos do Huambo

“Índios guaranis à volta da fogueira”
(foto de
Rosa Gauditano)

Os (meus) meninos do Huambo*

Com fios feitos de lágrimas de dor
Os meus meninos do Huambo choram
Ainda marcados pelo muito horror
da miséria e da fome onde moram

Com os lábios de muito dizer aiué
Soletram pensamentos de esperança
Como quem se alimenta de tanta fé
Inebriada pelos sorrisos de criança

Os meus meninos à volta da fogueira
Já aprenderam que dizer a verdade
Será talvez mais uma bonita bandeira
mas que o melhor é não falar de saudade

Com os sorrisos mais lindos do planalto
- Essa é uma certeza para a eternidade
Fazem contas engraçadas de sobressalto
E subtraem a fome a sonhos de igualdade

Dividem a chuva miudinha pelo milho
Como se isso fosse o seu eterno destino
Saltam ao céu toda a dor feita andarilho
No seu estilhaçado mundo peregrino

Os meus meninos à volta da fogueira
Não vão aprender novas palavras
Porque a dor da miséria é cegueira
Que alimenta todos os dias as lavras

Assim descontentes à voltinha da poesia
Juntam palavras do tempo que passa
Para ver se alimentam a barriga vazia
E se descobrem o fim de tanta desgraça.

.
*Orlando Castro*
*(jornalista, poeta e contista angolano-português)

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Malambas já tem um ano

Foi há um ano que este projecto cultural, eminentemente lusófono, começou.
Para assinalar este evento tomei a liberdade de colocar o poema bilingue do timorense Afonso Busa Metan, "Labaryk-feto ida tanis / Uma menina está a chorar".
Apesar de ter esperado uma maior adesão a este blogue, tanto em participações como em visitas, não estou arrependido do que fiz e ficou neste ano de cultura.
Continuo a esperar, nomeadamente, dos PALOP, mais participações e mais envios de trabalhos literários. Embora tenha sido de Portugal o maior número de acessos (48,8%), as principais visitas e incentivos vieram da blogosfera brasileira (31,24%); só muito depois temos as visitas de Angola (2,66%), EUA (2,64) e França (2,41%), quase empatados, seguidos de muito longe pelo Reino Unido (1,7%) e por Moçambique (1,15%).
Ainda assim, porque culturalmente não estou sozinho na lusofónica blogosfera, a cultura lusófona mostrou que continua dinâmica e imparável. Basta aceder/clicar ao mapa que se encontra aqui ao lado para ver como estão distribuídas as visitas.
Só os responsáveis políticos dos respectivos lusofónicos países e organizações que a deveriam superintender o não entendem.
Eu, por mim, tal como mostram as setas, vou continuar com o Malambas!

segunda-feira, janeiro 01, 2007

Labaryk-feto ida tanis / Uma menina está a chorar

"Típica casa timorense de Lospalos"
(desenho de autor desconhecido e retirado daqui)

Labaryk-feto ida tanis *

Amá, Natál agora besik ona
Kosok-Oan Jezús sei moris dala ida tan,
maibé Bete sei hela iha uma halo ho lona
no ha'u-nia maun nia liman sei fo'er ho raan.

Bete ne'e ha'u-nia belun di'ak liu hotu,
nia tinan hanesan ha'u, ami tama SD hamutuk,
ami tanis bainhira haree nia apá nia iis kotu
enkuantu ahi han sira-nia uma to'o mutuk.

Nia apá mate tanba ema oho,
oho de'it tanba tiu ne'e ema-lorosa'e.
Sira la biban halai ba foho
hanesan dezlokadu sira halai tun-sa'e.

Bete ho nia família viziñu di'ak,
nu'usá imi komesa odi sira derrepente?
Ita hotu iha-ne'e mesak ema kiak...
imi hotu agora laran-dodok, ha'u sente!

Joven sira husi bairru maka sunu,
ha'u-nia maun rasik mós ajuda.
Ba ida-ne'e maka uluk imi funu?
Ha'u baruk, ha'u hakarak vida atu muda.

Imi la bandu, la obriga nia hela iha uma,
imi husik nia sai vadiu la iha edukasaun,
baku malu, taa malu, hanesan futu-manu ruma.
Hanesan ne'e maka imi hakarak harii nasaun?

Amá, ida-ne'e maka futuru ba labarik
iha nasaun foun Timór Lorosa'e?
Se futuru hanesan ne'e duni karik
entaun ha'u hakarak sai malae.

Uma menina está a chorar+*
+*(versão portuguesa)

Mãe, o Natal já está chegar
O menino Jesus vai nascer mais uma vez,
mas Bete ainda vive na casa feita com lona
e a mão do meu irmão ainda suzo com sangue.

Bete é a minha amiga melhor de todos,
ela tem idade como eu, nós entrámos na escola primária juntos,
nós chorámos quando vemos falecimento do pai dela
emquanto o fogo queimar a casa deles até muito queimado.

O pai dela moreu por causa de pessoas lhe matou,
matou-lhe porque este senhor é de Lorosae.
Eles não têm oportunidade refugiar para montanha
como outros delocados fuziram de um lugar para outro lugar.
Bete com sua família é vizinho bom,
como é que vocês começa odi eles de repente?
Nós todos que estamos aqui somos pobres...
vocês todos agora mau coracão, eu acho

Os Jovens de bairro que queimar,
o meu irmão própio também ajuda.
Para isto que vocês lutaram?
Estou farta, quero mudar minha vida..

Vocês não bando não obriga ele fica em casa,
vocês deixa-lhe ser vadio não tem educação,
bater um contra outros, cortar um com outros, como lutas de galos.
Como assim que vocês quererem arguer nação?

Mãe, isto é que futuro para crianças
em novo nação Timor Lorosae?
Se futuro como assim mesmo talvez
então eu quero ser malae.


*Afonso Busa Metan*
*(poeta timorense; poema em tétum e português; retirado
daqui e, tal como ele, respeitei a original grafia portuguesa daqui)