O que é este Blogue?

Quando se junta uma amálgama de palavras, um conto ou um poema podem sempre emergir. A sua divulgação fará que não morram esconsos numa escura e funda gaveta. Daí que às minhas palavras quero juntar as de outros que desejem participar. Os meus trabalhos estão publicados sob o pseudónimo: "Lobitino Almeida N'gola". Nas fotos e pinturas cliquem nos nomes e acedam às fontes.

quinta-feira, agosto 30, 2012

O Gorila Solitário e a panela de barro

Gorila do Maiombe
(Foto da Inernet)

O Gorila Solitário e a panela de barro*

Era uma vez, um gorila faminto que deambulava pela floresta em busca de alimentos. Como estava muito velho, vivia sozinho na Mata Grande do Maiombe e nem os netos queriam saber dele. A época era de escassez, porque choveu pouco e as colheitas perderam-se nos dias tórridos e secos. Apesar de velho e abandonado, o Gorila Solitário ainda tinha o faro aguçado e sentiu o cheiro de comida, vindo da direcção da buala bu Sinda. Foi andando no rasto daquele aroma bom, até que chegou a um acampamento de caçadores.

Quando a panela de barro começou a largar aquele aroma que abria o apetite, um caçador disse para os outros:

- Tuemdia tua buila mbiuma muntamba! Vamos apanhar uma jibóia na armadilha!

Os amigos concordaram e foram para a mata à procura da casa das jibóias, enquanto a panela de barro continuava a apurar o suculento manjar.

Quando o Gorila Solitário chegou à fonte do cheiro a comida, viu que o acampamento estava vazio. Mas no centro do descampado estava uma fogueira fumegante e em cima das brasas, uma panela de barro. Era dali que saía o cheiro a manjar dos deuses!

O Gorila Solitário tirou a panela do fogo, abraçou-a, meteu lá dentro a sua grande cabeça e começou a devorar tudo com sofreguidão, tal era a sua fome!

Enquanto comia, começou a sentir um grande calor nas mãos, nos braços, no peito e nas beiças. A panela de barro estava muito quente e assim continuou enquanto o Gorila Solitário se banqueteava.

O gorila nunca havia experimentado aquela sensação e, então, interpretou as queimaduras no corpo como um inimigo invisível que lhe queria tirar a comida. E começou a bramir tão alto, que os morcegos gigantes adormecidos nos braços frondosos das mafumeiras acordaram e voaram cegos em direcção ao esplendor da luz do Sol, por cima das copas das árvores frondosas do Maiombe.

Quanto mais alto rugia, mais o gorila apertava a panela quente contra o seu imenso corpo e mais o barro lhe transmitia o calor. O Gorila Solitário pensava em tudo, menos largar a sua presa. E a panela queimava-o cada vez mais.

Os caçadores ouviram os guinchos e urros do Gorila Solitário e ficaram cheios de medo.

- Vamos para o acampamento antes que os gorilas nos matem! – disse um caçador. Todos concordaram e regressaram apressadamente ao acampamento, perseguidos pelo eco dos gritos cada vez mais dolorosos do faminto gorila.

Quando os caçadores chegaram ao acampamento, viram o Gorila Solitário encostado a uma árvore, já sem forças para gritar, mas sempre agarrando a panela de barro, com unhas e dentes. Nenhuma força do céu ou da terra lha conseguia tirar!

Este foi o último combate do Gorila Solitário, pela sobrevivência. Acabou por morrer, vítima das queimaduras que sofreu.

Em todo o Maiombe houve luto, porque tinha acabado de falecer um dos seus filhos mais queridos, que durante muitos anos chefiou a sua numerosa família.

Moral da história: Na nossa vida, muitas vezes, abraçamos coisas e causas que julgamos serem importantes. Algumas fazem-nos gemer de dor, queimam-nos por fora e por dentro. Mas mesmo assim, ainda as consideramos importantes. Temos medo de abandoná-las e esse medo coloca-nos numa situação de sofrimento e de desespero. Apertamos coisas frívolas e desnecessárias contra os nossos corações e terminamos derrotados por algo que tanto protegemos, em que tanto acreditamos e valentemente defendemos. Mulu zingu luitu ngumbu ziumbu tueti zinguitilanga mana lete tuvana zimpaci tueti balilanga mauo undjinzi ma vuizi ay muna zimpaka tuti fua ay teti muna zinpaci muna lianbu likambuizi ndando.

* Esta história foi contada por José Casimiro, em Cabinda, e publicada no Jornal de Angola (versão online) de 26/Agosto/2012