*Manuel Fragata de Morais*
*(Canto do livro de poemas “Batuque Mukongo”, editado sob chancela da UEA)
"Volúpia I”
(Eunice Maia, daqui)
Contei meus anos... *
*
*(Jornalista, contista e poeta angolano-português, poema inicialmente publicado aqui)
*Lobitino Almeida N’gola*
*(6/Outubro./2011)
(Waalpaper, por walldesk)
A Liberdade Tem A Marca do Meus Sangue*
A Liberdade tem a marca do meu sangue
Pois fui eu quem defendeu
Esta nação flagelada
E pintou o verde de esperança
No rosto de quem achava impossível
A liberdade tem a marca do meu sangue
Pois fui eu
Na linha da frente
Quem alimentou esses famintos
Para que não morressem
Nas matas do deserto do Sahaara
E se reparares bem
Em cada alicerce da reconstrução
Desta nação tem a marca do meu sangue libertador.
*Sandro Feijó*
*(Poeta Universal; poeta angolano, 24 Agosto 2011)
Os sinais antigos de quem procura eternidade*
nestas folhas de memória
quem, na verdade, sou
e ousar seguir
minha procura.
Apetece confessar que estou aqui
a viver e reviver o amor.
Não apenas corpos em prazer,
mas os segredos antigos
de quem se faz eternidade.
Há viagens que são beleza,
mãos, cheiros, ouvidos, olhos
e todos os demais sentidos
que me dão a ilusão
de acrescentar a criação.
Esse humano, demasiado humano,
a que não posso ser alheio,
para que se descubra o infinito.
Entram. Sorrio-lhes e falo.
Deixam-me estar na minha alcova,
Até se ouvir cantar o galo.
Por esse Mundo erram, talvez:
Não me escreveis, há tantos anos!
Que será feito de Vocês?
Vivo na Paz, vivo no limbo:
Os meus amigos são o Outono,
O Mar e tu, ó meus Cachimbo!
Ah! quando for do meu enterro,
Quando em teus braços desfaleça,
Caso os meus olhos não cerrares,
Embora! Que isto não te esqueças.
Coloca sobre a travesseira,
(Tela de Nelson Magalhães Filho, série Mulheres, 2006)
Felicidades*
Á amiga Jandira de Fátima
Inspirei-me na tua beleza para compor este poema
Não quero saber do teu passado
Nem da tua história
Quero que tudo te vá bem
Que amores vençam desamores
Que a tua vida se transforme num
Oásis de felicidades
E que as barrocas de tristezas
Sequem na tua preciosa alma
Que os ritmos quentes da vida
Aplaudam-te tal como uma rainha
Quando esta data se repetir
Por longos e felizes séculos de vida
Que teus olhos chorem de regozijos
Que tua boca sorria as deploráveis da vida
Que tudo se transforme num paraíso
Onde as ruas alagadas da Brigada
As lixeiras do São Paulo
O Engarrafamento infernal
Tornem-se num paisagismo imortal.
Felicidades
*Sandro Feijó*
*(Poeta Universal; poeta angolano, 27 Maio 2011)
(Uma montagem ©Elcalmeida; cada um interprete como quiser…)
A Tabacaria*
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de
E o que podia fazer de
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
*(Um dos heterónimos de Fernando Pessoa, feito em 15-1-1928)
"Foto de DaSilva, Lili"
A terra vermelha, o embondeiro*
Não! Já não tenho saudades do império.
Apenas, a memória que reprimo,
nos muitos pedaços de uma guerra
que não deveria ter acontecido.
Tão bárbara como todas as guerras,
sempre inconscientes
nos seus próprios mortos.
Sobretudo, no dia seguinte
ao fim da guerra,
nessa ilusão de tratados,
a que chamam paz.
A manga que cai da árvore,
os jacarés da barra do Kwanza
a terra vermelha, o embondeiro,
nesta terra de tórridas saudades,
e o recanto mais recôndito
de todos os recontros.
Verão de Angola sabe a sumo de papaia,
em hora de pequeno almoço.
*
*(Cientista político; poeta português – poema retirado da obra “Sobre o tempo que passa”)
"Ritual"
(Tela de Lívio de Morais, daqui)
O que vocês não sabem e nem imaginam*
Vocês não sabem
mas todas as manhãs me preparo
para ser, de novo, aquele homem.
Arrumo as aflições, as carências,
as poucas alegrias do que ainda sou capaz de rir,
o vinagre para as mágoas
e o cansaço que usarei
mais para o fim da tarde.
À hora do costume,
estou no meu respeitoso emprego:
o de Secretário de Informação e de Relações Públicas.
Aturo pacientemente os colegas,
felizes em seus ostentosos cargos,
em suas mesas repletas de ofícios,
os ares importantes dos chefes
meticulosamente empacotados em seus fatos,
a lenta e indiferente preguiça do tempo.
Todas as manhãs tudo se repete.
O poeta Eduardo White se despede de
à porta de casa,
agradece-me o esforço que é mantê-lo
alimentado, vestido e bebido
(ele sem mover palha)
me lembra o pão que devo trazer,
os rebuçados para prender o Sandro,
o sorriso luzidio e feliz para a Olga,
e alguma disposição da que me reste
para os amigos que, mais logo,
possam eventualmente aparecer.
Depois, ao fim da tarde,
já com as obrigações cumpridas,
rumo a casa.
À porta me esperam
a mulher, o filho e o poeta.
A todos cumprimento de igual modo.
Um largo sorriso no rosto,
um expresso cansaço nos olhos,
para que de
e se esmerem no respeito,
e aquele costumeiro morro de fome.
Então à mesa, religiosamente comemos os quatro
o jantar de três
(que o poeta inconsta
na ficha do agregado).
Fingidamente satisfeito ensaio
um largo bocejo
e do homem me dispo.
Chamo pela Olga para que o pendure,
junto ao resto da roupa,
com aquele jeito que só ela tem
de o encabidar sem o amarrotar.
O poeta, visto-o depois
e é com ele que amo
escrevo versos
e faço filhos
*Eduardo White*
*(poeta moçambicano)
"Contratados"
(Bailundos contratados para a exploração do café, em Quitexe; foto retirada daqui)
Longa fila de carregadores
domina a estrada
com os passos rápidos
Sobre o dorso
levam pesadas cargas
Vão
olhares longínquos
corações medrosos
braços fortes
sorrisos profundos como águas profundas
Largos meses os separam dos seus
e vão cheios de saudades
e de receio
mas cantam
Fatigados
esgotados de trabalhos
mas cantam
Cheios de injustiças
calados no imo das suas almas
e cantam
Com gritos de protesto
mergulhados nas lágrimas do coração
e cantam
Lá vão
perdem-se na distância
na distância se perdem os seus cantos tristes
Ah!
eles cantam...
*Agostinho Neto*
*(poeta e político angolano (1922-1979); retirado da obra Sagrada Esperança)
Canção por Luanda*
A pergunta no ar
no mar
na boca de todos nos:
- Luanda onde está?
Silêncio nas ruas
Silêncio nas bocas
Silêncio nos olhos
- Xeh
mana Rosa peixeira
responde?
- Mano
Não pode responder
tem de vender
correr a cidade
se quer comer!
“Olá almoço, olá almoçoeee
matona calapau
ji ferrera ji ferrereee”
- E você
mana Maria quintandeira
vendendo maboques
os seios-maboque
gritando, saltando
os pes percorrendo
caminhos vermelhos
de todos os dias?
“maboque, m´boquinha boa
doce docinha”
- Mano
não pode responder
o tempo épequeno
para vender!
Zefa mulata
o corpo vendido
baton nos lábios
os brincos de lata
sorri
abrindo o seu corpo
- seu corpo cubata!
Seu corpo vendido
viajado
de noite e de dia.
- Luanda onde está?
Mana Zefa mulata
o corpo cubata
os brincos de lata
vai-se deitar
com quem lhe pagar
- precisa comer!
- Mano dos jornais
Luanda onde está?
As casa antigas
o barro vermelho
as nossas cantigas
tractor derrubou?
Meninos das ruas
cacambulas
quigosas
brincadeiras minhas e tuas
asfalto matou?
- Manos
Rosa peixeira
quitandeira Maria
voce também
Zefa mulata
dos brincos de lata
- Luanda onde está?
Sorrindo
as quindas no chão
laranjas e peixe
maboque docinho
a esperança nos olhos
a certeza nas mãos
mana Rosa peixeira
quitandeira Maria
Zefa mulata
- os panos pintados
garridos, caidos
mostraram o coração:
- Luanda está aqui!