Todos os meus amigos sabem que nasci na Zambézia e que sou macua. Gosto muito desta minha condição.
Sou macua, pertenço a nação macua e gosto de o ser, sinceramente identifico-me completamente com as gentes desta nação, com o lugar, com os costumes, com o comer, com o viver; enfim Sou macua porque me sinto macua.
Incrivelmente hoje, ao receber uma chamada telefónica um amigo me disse: Estou na tua terra e chove aqui a cântaros. Fique radiante, tão radiante que repeti o que acabara de ouvir. Aí é? Está a Chover na minha terra?
Imediatamente obtive a seguinte resposta: Tua terra não, vives tantos anos fora daqui que já não pertences a este lugar.
Senti pela primeira vez que a nossa terra está enraizada em nós; é algo que trazemos num lugar recôndito mas sublime do nosso Eu. É que quando o meu amigo referiu que eu já não era filha da nação macua e já não pertencia mais aquele lugar, senti uma tão grande necessidade de reafirmar as minhas raízes macuas. E fi-lo veementemente: ao lhe ter dito que vivo em Maputo há mais de 20 anos, mas nada tenho haver com este lugar, nem com as suas gentes, nem com os seus costumes.
Disse-lhe que a minha terra é muito bonita igualmente as mulheres são muito bonitas, referi que na nação macua, as mulheres não são “loboladas” (dote pago pelos homens aos familiares da noiva para casar com uma mulher no sul de Moçambique) e os homens da minha nação, da (nação macua) são circuncidados e tem obrigatoriamente um rádio transístor, uma machamba (lavra) para a subsistência da família, sabem caçar, pescar, e partilhar.
Na nação macua Munherar (vergar a coluna e arrastar as duas mãos no chão em direcção ao velho, até que este a boa maneira macua te diga, fica a vontade) mas antes te pergunta pela tua família, pelo teu casamento, pela colheita e só então agradece o teu gesto e pede desculpa e insistentemente te diz põe-te bem. Fica a vontade, não é preciso estar assim.
Algumas pessoas em alguns lugares (nações) chamam a isso de "velhos e bons tempos", mas honestamente creio que esta bondade é produzida pela severidade experimentada! Quase todos passámos por dificuldades financeiras e a manutenção do básico da vida requer trabalho constantemente. Essa experiência comum produz dentro de grande parte da minha nação um senso de empatia de uns para com os outros. A polidez e a gentileza são muito mais comuns; os direitos da outra pessoa são grandemente respeitados. E, falando de respeito, as mulheres são consideradas damas. Os homens moderam o seu vocabulário quando vêem mulheres por perto e procuram ser cavalheiros, afastando-se ligeiramente do caminho como gesto de respeito ao encontrá-las na estrada, abrindo alas e cedendo lugares nas esteiras para que elas se sentem. Hoje, essas atitudes de cortesia são consideradas anacrónicas, se eu, esquecer que os tempos são outros e me atrever a esperar que me abras a porta ficarei plantada na espera. Perdoa-me amor, pensei que fosses um cavalheiro! Condescendência. Esta é uma palavra que seguramente é de difícil compreensão nos dias de hoje. Estamos muito atarefados correndo atrás das nossas ambições de ter dois carros (ou mais) na garagem e uma antena de TV que capte sinais de satélite! Se entrarem ladrões na casa do vizinho e fizerem uma limpeza lá - é problema deles. Acredita se quiseres, houve um tempo - não tão longe assim - quando as pessoas se respeitavam e se valorizavam. Fazíamos Qualquer sacrifício para nos ajudarmos em casos de necessidade. Hoje, ninguém está muito preocupado com os outros – estejamos bem ou mal! Ser mesquinho hoje é uma virtude, como resultado, poucas pessoas agora param para considerar o quanto Deus tem nos abençoado. Temos muito mais tempo livre do que tinham os nossos pais, proporcionado pelas novas tecnologias! Entretanto, em vez de aproveitá-lo, redobramos nossos esforços trabalhando em horas extraordinárias para ganharmos mais e podermos gastar mais! Uma pessoa famosa, cujo nome não me lembro, disse: "Não há esperança para o homem que já está satisfeito". Isso bem poderia ser o lema em algumas nações hoje. Corremos de um lado para outro, parecendo formigas que tiveram o seu formigueiro destruído, muitos privando-se do sono e outros voando no "piloto-automático" para decidir o que vão comprar a seguir. Poucos parecem satisfeitos com o que já têm e estão literalmente enlouquecendo e tentando adquirir tudo. Vês algo errado neste quadro? A revelação é que estamos no caminho para a destruição.
*Suzete Madeira*
*(Poetisa e contista da nova vaga moçambicana)