Nhu Djoca di Pilum levantou-se cedo naquela manhã de segunda feira, bem antes do sol raiar. Ia para a bicha do Ministério das Finanças para ver se conseguiria, finalmente, receber a sua pensão que há muito tardava a cair. Embora ainda estivesse fresco, com o sereno por levantar, Djoca di Pilum sentia a camisa molhada e o suor a correr-lhe pelo rosto. Não era de calor que transpirava, mas de angústia por não saber o que fazer se não conseguisse voltar a casa com algum dinheiro. Limpou a testa com o velho lenço que trazia na algibeira das calças e acelerou o passo. Bem que tinha deixado a sua pedra a marcar o lugar na noite anterior, mas algum chico esperto poderia vir tomar-lhe a vez. Enquanto caminhava em direcção à praça, Djoca procurava encontrar alternativas à eventualidade, mais que certa, de não receber a pensão nesse dia. Há mais de uma semana que lá ia esperar e regressava sempre ao fim da manhã depois de ter ouvido as desculpas do funcionário, prometendo que no dia seguinte, sem falta, seriam pagos.
Eram difíceis os tempos! A vida tornara-se impossível. Já com a mísera reforma paga todos os meses era uma ginástica aguentar o mês inteiro. Agora que nada caía era impossível aquecer as pedras do fogão todos os dias... Como fazer para alimentar a família que contava com, nada mais, nada menos, dezasseis bocas? Os donetes que Sábado, sua velha companheira dos bons e maus momentos, fazia e vendia já não davam os lucros do início. Pois, era normal que assim fosse, os clientes também sobreviviam com dificuldades. O taxi, que a muito custo comprara em eneésima mão, dera o que tinha a dar. Nem na sucata conseguira vendê-lo e agora jazia diante da porta de casa, servindo de fornecedor de peças sobressalentes para quem quisesse servir-se dele. Ainda se metera num negócio de venda de cervejas no clandô[1], mas as coisas correram-lhe mal por ter sido enrolado pelo pretenso sócio entretanto desaparecido, sem deixar traços, com o dinheiro para a compra da mercadoria no Senegal. Os tempos estavam difíceis, sim senhor! Mas não para todos! Na praça via gente que prosperava, passeando em novos carros e construindo belíssimas casas nas novas zonas urbanizadas nos arredores de Bissau. Como faziam eles, se eram todos funcionários do mesmo estado que não pagava a ninguém? Talvez fizessem negócios, pensou, mas... que negócios? E onde? Não via na cidade qualquer indício de prosperidade económica compatível com aquele luxo. O feijão tinha toucinho e ele teria que descobri-lo!
Eram difíceis os tempos! A vida tornara-se impossível. Já com a mísera reforma paga todos os meses era uma ginástica aguentar o mês inteiro. Agora que nada caía era impossível aquecer as pedras do fogão todos os dias... Como fazer para alimentar a família que contava com, nada mais, nada menos, dezasseis bocas? Os donetes que Sábado, sua velha companheira dos bons e maus momentos, fazia e vendia já não davam os lucros do início. Pois, era normal que assim fosse, os clientes também sobreviviam com dificuldades. O taxi, que a muito custo comprara em eneésima mão, dera o que tinha a dar. Nem na sucata conseguira vendê-lo e agora jazia diante da porta de casa, servindo de fornecedor de peças sobressalentes para quem quisesse servir-se dele. Ainda se metera num negócio de venda de cervejas no clandô[1], mas as coisas correram-lhe mal por ter sido enrolado pelo pretenso sócio entretanto desaparecido, sem deixar traços, com o dinheiro para a compra da mercadoria no Senegal. Os tempos estavam difíceis, sim senhor! Mas não para todos! Na praça via gente que prosperava, passeando em novos carros e construindo belíssimas casas nas novas zonas urbanizadas nos arredores de Bissau. Como faziam eles, se eram todos funcionários do mesmo estado que não pagava a ninguém? Talvez fizessem negócios, pensou, mas... que negócios? E onde? Não via na cidade qualquer indício de prosperidade económica compatível com aquele luxo. O feijão tinha toucinho e ele teria que descobri-lo!
Nestas cogitações chegou ao Ministério. Já lá estavam alguns dos habituais daquela luta. Afastou a sua pedra e sentou-se no chão, deixando escapar um suspiro que demonstrava grande desânimo.
- Mais um dia de aldrabices! – disse-lhe um homem que estava sentado ao seu lado.
- É verdade, não tenho ilusões nenhumas – retorquiu Djoca, coçando a barbicha. – O pior é que não sei o que fazer se não receber hoje a minha pensão...
- E ver que esses tipos andam por aí a passear em Pajeros e roncar basofaria[2]! – completou o outro – e depois vêm dizer que não há dinheiro! Sabe uma coisa? Agora só se safa quem chega ao poleiro! Esses aí estão garantidos! Já disse ao meu filho que, se ele se quer safar, tem que criar um partido.
- Um partido? Para fazer o quê? – perguntou Djoca com espanto.
- Fazer política... ou confusão. É a mesma coisa!
- Não entendo...
- Oh homem! Quando se cria um partido, das duas uma: ou o partido ganha as eleições e o seu dono chega ao poleiro ou perde-as e o dono faz tamanha confusão que acaba por ser convidado para o poleiro!
- Hã... estou a ver... então ganha-se sempre!
- Bem, não é bem assim. É preciso puxar-se uns certos cordelinhos, dar-se um jeito aqui, outro ali e sobretudo não fazer inimizade com os próprios adversários. Há que deixar sempre uma porta aberta...
- E é preciso dinheiro para criar um partido? Paga-se imposto?
- Nada disso homem. Chamas a tua família, os teus amigos e os teus vizinhos e crias o teu partido. Depois vais lá dar o nome no tribunal, pagas os selos e fica tudo legal.
- É só isso?
- O resto é só mandar bocas!
Djoca di Pilum arregalou os olhos. Eis uma maneira de se safar de vez! Se os outros conseguiram por que ele não haveria de conseguir? Por que nunca pensara nisso? Naquele mesmo dia iria convocar os próximos para a criação de um partido! PBUP, Partido do Bairro Unido de Pilum, seria o seu nome. O mais difícil já estava feito e agora faltava apenas reunir os moradores de Pilum, os de cima e os de baixo.
Tão mergulhado nos seus projectos, Djoca nem dera conta da vinda do funcionário que mais uma vez anunciara que “amanhã sem falta” seriam pagos. Quando caiu em si, já os outros se tinham dispersado. Levantou-se e rumou com destino a Pilum, desta vez com um sorriso a bailar nos lábios enquanto já se via a subir, num Pajero, a avenida Amilcar Cabral em direcção ao palácio presidencial... Sim, seria Presidente da República, outra coisa estava excluída! O chefe é o que come primeiro e se sobrar os outros partilham os restos. É, presidente da república seria mais seguro. Isso mesmo, iria candidatar-se a presidente da república, ora nem mais. Ouvira dizer que haveria eleições presidenciais lá para o fim daquele ano. Mãos à obra a caminho da vitória, disse para consigo ao chegar ao seu bairro.
Foi fácil criar o PBUP. Todos estavam fartos daquela vida de miséria e com o Djoca na presidência ninguém iria ficar esquecido. O futuro sorria e prometia belos dias aos fervorosos militantes do PBUP. A campanha foi lançada num dia de grande festa. Não se sabe de onde saira, mas havia comida e bebida a fartar! É o prenuncio da fartura que o PBUP vai trazer ao povo desta terra, diziam uns já alegremente animados pelo calor do vinho de cajú! Nunca mais iremos para as bichas, retorquiam outros. Viva o PBUP! Viva o Presidente Djoca di Pilum! Viva!!!
- Mais um dia de aldrabices! – disse-lhe um homem que estava sentado ao seu lado.
- É verdade, não tenho ilusões nenhumas – retorquiu Djoca, coçando a barbicha. – O pior é que não sei o que fazer se não receber hoje a minha pensão...
- E ver que esses tipos andam por aí a passear em Pajeros e roncar basofaria[2]! – completou o outro – e depois vêm dizer que não há dinheiro! Sabe uma coisa? Agora só se safa quem chega ao poleiro! Esses aí estão garantidos! Já disse ao meu filho que, se ele se quer safar, tem que criar um partido.
- Um partido? Para fazer o quê? – perguntou Djoca com espanto.
- Fazer política... ou confusão. É a mesma coisa!
- Não entendo...
- Oh homem! Quando se cria um partido, das duas uma: ou o partido ganha as eleições e o seu dono chega ao poleiro ou perde-as e o dono faz tamanha confusão que acaba por ser convidado para o poleiro!
- Hã... estou a ver... então ganha-se sempre!
- Bem, não é bem assim. É preciso puxar-se uns certos cordelinhos, dar-se um jeito aqui, outro ali e sobretudo não fazer inimizade com os próprios adversários. Há que deixar sempre uma porta aberta...
- E é preciso dinheiro para criar um partido? Paga-se imposto?
- Nada disso homem. Chamas a tua família, os teus amigos e os teus vizinhos e crias o teu partido. Depois vais lá dar o nome no tribunal, pagas os selos e fica tudo legal.
- É só isso?
- O resto é só mandar bocas!
Djoca di Pilum arregalou os olhos. Eis uma maneira de se safar de vez! Se os outros conseguiram por que ele não haveria de conseguir? Por que nunca pensara nisso? Naquele mesmo dia iria convocar os próximos para a criação de um partido! PBUP, Partido do Bairro Unido de Pilum, seria o seu nome. O mais difícil já estava feito e agora faltava apenas reunir os moradores de Pilum, os de cima e os de baixo.
Tão mergulhado nos seus projectos, Djoca nem dera conta da vinda do funcionário que mais uma vez anunciara que “amanhã sem falta” seriam pagos. Quando caiu em si, já os outros se tinham dispersado. Levantou-se e rumou com destino a Pilum, desta vez com um sorriso a bailar nos lábios enquanto já se via a subir, num Pajero, a avenida Amilcar Cabral em direcção ao palácio presidencial... Sim, seria Presidente da República, outra coisa estava excluída! O chefe é o que come primeiro e se sobrar os outros partilham os restos. É, presidente da república seria mais seguro. Isso mesmo, iria candidatar-se a presidente da república, ora nem mais. Ouvira dizer que haveria eleições presidenciais lá para o fim daquele ano. Mãos à obra a caminho da vitória, disse para consigo ao chegar ao seu bairro.
Foi fácil criar o PBUP. Todos estavam fartos daquela vida de miséria e com o Djoca na presidência ninguém iria ficar esquecido. O futuro sorria e prometia belos dias aos fervorosos militantes do PBUP. A campanha foi lançada num dia de grande festa. Não se sabe de onde saira, mas havia comida e bebida a fartar! É o prenuncio da fartura que o PBUP vai trazer ao povo desta terra, diziam uns já alegremente animados pelo calor do vinho de cajú! Nunca mais iremos para as bichas, retorquiam outros. Viva o PBUP! Viva o Presidente Djoca di Pilum! Viva!!!
O resultado das eleições foi esperado com ânsia e nervosismo pelo povo de Pilum. O seu destino estava em jogo naquele escrutínio. Tomara que Djoca ganhasse! E Djoca di Pilum ganhou mesmo! O povo inteiro o aclamou quando apareceu na varanda do palácio. O novo presidente contemplou a avenida que se deitava a seus pés tal um tapete de honra nas grandes ocasiões. Aquela fora a sua grande ocasião e ele soubera agarrá-la. Terminadas as infindas esperas à porta do Ministério para receber a pensão! Terminadas as dores de cabeça à procura de como alimentar a família! Terminadas....
- Djoca! Djoca! Acorda!
- Hã?! O que há, Sábado?
- Levanta-te, homem. Hoje é segunda feira. Tens que ir às Finanças fazer a bicha para a tua pensão!
Glosário:
[1] Comércio clandestino
[2] Vangloriar-se
*Filomena Embaló*
*(Guineense nascida em Angola e filha de pais cabo-verdianos; retirado daqui)
- Djoca! Djoca! Acorda!
- Hã?! O que há, Sábado?
- Levanta-te, homem. Hoje é segunda feira. Tens que ir às Finanças fazer a bicha para a tua pensão!
Glosário:
[1] Comércio clandestino
[2] Vangloriar-se
*Filomena Embaló*
*(Guineense nascida em Angola e filha de pais cabo-verdianos; retirado daqui)