O que é este Blogue?

Quando se junta uma amálgama de palavras, um conto ou um poema podem sempre emergir. A sua divulgação fará que não morram esconsos numa escura e funda gaveta. Daí que às minhas palavras quero juntar as de outros que desejem participar. Os meus trabalhos estão publicados sob o pseudónimo: "Lobitino Almeida N'gola". Nas fotos e pinturas cliquem nos nomes e acedam às fontes.
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terça-feira, outubro 20, 2009

Ó África Pátria Do Mundo

"Dibujo"
(Desenho de João Craveirinha, Brasília, 2009)


Ó África Pátria Do Mundo*

Ó África Pátria do Mundo
Enquanto te espreguiças
Numa letargia sem fim
O Mundo lá fora implacável
Prossegue
Na senda auto-destrutiva
Do Planeta e de Ti

Ó África Pátria do Mundo
Teus filhos no poder
O que fazem então?!
Aconchegados nos sofás dos Mercedes
Com whisky e televisão!?
Importados, longe do sertão
(Made in Germany, UK e Japão)
Enquanto seus súbditos minguam
Sem um tostão
Nas sobras dos donativos
Fora de prazo
Sobrevivem
Nas lixeiras do egoísmo
Sem chegarem a viver
Um dia sequer
Circulando como zombies
No supérfluo do luxo no entulho

Ó África Pátria do Mundo
Antigos guerrilheiros comandantes
Combatentes da outra Liberdade
Esquecida democraticamente
Em nome da modernidade
Globalizada nas contas bancárias
E nas propinas recebidas
A troco da penhora do País.

Ó África Pátria do Mundo
Reage
E diz-me que é só um pesadelo
Que amanhã é outro dia
E tu renovada surgirás
Enfeitando tuas crianças
De flores, pão, amor
Livros e solidariedade
“Na mesa da fraternidade”
Como um teu descendente
Na América disse,
Também um dia
Que tinha um sonho!

Ó África Pátria do Mundo


*João Craveirinha*
*(Poeta, contista e artista plástico moçambicano; feito em Olisipo, 29 Outubro 2008 / Quarta-feira, inicialmente publicado no “
Recanto das Letras” e cedido pelo autor)

sexta-feira, junho 06, 2008

Revolução Verde ou nova forma de gualdripar?

"Aldeia Global"
(Desenho A4 a Nanquim (tinta da China), de João Craveirinha, 1983, Principado de Andorra)


Revolução Verde ou nova forma de gualdripar?*

Que te interessa nasceres rico,
se pobre és
e pobre vives?

Que te interessa seres de país rico
se tu e teus irmãos medram
na vida que outros desamparam?

Que te importa teres longas savanas
se nada te deixam comer
a não ser pós e lamas?

África,
tens fome?
Não te preocupes!
A FAO pensou
e uma revolução verde te dará
de esperanças muitas
e retóricas maiores.

Tu produzirás,
e colherás,
o que eles já não produzem.

E eles sentidos receberão,
comerão,
o pouco que não tens,
o muito que lhes dás!

Compreendes, os seus ventres,
grandes,
não são cavos de esperança
como os dos filhos que gerastes,
mas halos na abundância!

Mas precisam que te queixes
que te continues a queixar;
porque só assim solidários serão
nas mínguas migalhas que pomposos te darão.

Porque te interessa seres rica,
se pobre és,
e escrava subalterna continuas a viver?

Chega!
É tempo de dar um grito
e grilhetas quebrar!

FAO, ONU, UE, Brasis,
contingentes e quejandos afins,
Chega!

Chega de gualdripar
o que produzimos!
Chega paladinos,
os nossos minérios extirparem!

Chega!

Têm fome?
produzam!
Querem biocombustíveis?
em casa demandem!

Não mais somos,
nem mais seremos
os vossos marginais!
Queremos igualdade,
impomos,
ser tratados como iguais!


*Lobitino Almeida N’gola*

*(feito no Dia do Meio Ambiente; 5/Junho/2008)

quinta-feira, junho 05, 2008

NEGRO…

"O feitiço misterioso de Néngue uá iNssuna"
(Desenho de João Craveirinha, sob verso de José Craveirinha, 1968 - ver explicação infra*
)

NEGRO:
SER OU NÃO SER
NÃO É A QUESTÃO!
(é tudo imposição)*


Queres que eu seja negro
da cor da noite das trevas?
Então sou!
E depois não digas que a mulher negra não é bela.
É tão bela como pode ser a tua mulher
que dizes ser, da cor da luz branca,
onde vive o divino!
Sou negro e depois?

Ah, não!!

Agora sou racista por aceitar com um sorriso
o que me impões e aceito,
e te devolvo?
Só quero igualdade.
Nada mais!

*João Craveirinha*
*( Poeta, contista e artista plástico moçambicano; poema inédito que também pode ser lido aqui; feito em 02.06.2008)
* Desenho de João Craveirinha (sobrinho) feito com esferográficas vermelha e preta em 1968 no campo de treino político-militar da Frente de Libertação de Moçambique em Nachingwea. Sul de Tanzânia. Nengue uá iNssuna era um feiticeiro muito conhecido em toda a região a Sul do Rio Save de Moçambique. Viveu (anos 1950) na zona fronteiriça com o Zimbabué repleta de elefantes e de outra fauna bravia. Muitos brancos portugueses iam às suas consultas, sobretudo caçadores, e outros da então cidade colonial de Lourenço Marques.
Glossário do xiRonga:
....................Néngue = perna
....................uá = de
....................iNssuna = mosquito

quarta-feira, janeiro 09, 2008

Aljezur Algarvia de Meus Encantos

Aljezur Algarvia de Meus Encantos*

Quase roteiro de uma viagem, de um Craveirinha Moçambicano e João

I
De súbito,
Perante meu olhar afro
tropical
Surge Aljezur.
Ao longe,
(“Bunhêra” e Rogil)
Terras ancestrais de meus avós
De encantos e desencantos

II
Aljezur minha,
Na poeira do tempo
Conflitos
Cristãos-Mouriscos
Gritos, cavalos relincham.
Espadas desembainhadas, cimitarras,
tinem no entrechoque
por nossa Fé.
A nossa e a dos outros.

III
Aljezur minha,
dos Sarauís – saloios,
sefardim-ladinos,
no auto-da-fé
amaldiçoados, insultados:
“marranos”!

IV
Aljezur minha
no tempo perdida,
Chibatadas, no áfrico – escravo
esquecidas
no cruel pelourinho
das casas senhoriais
arrogantes morgados
de fartos cabedais.
Lampejos da história
no remanso da memória,
hoje, luminosa Aljezur,
de meus encantos.

V
Aljezur minha,
dos moçárabes,
exilados sefardins-judeus
outros judeus convertidos
ou não tanto, cristãos-novos
de alheiras no arco da portada
à inquisição escapando.

VI
Ah, Aljezur minha,
doces sabores
batata-doce actuais
“Caldêrada” de “pêxe”,
Sorriso afável das Marias Franciscas
Moças morenas, trigueiras,
ruivas outras, das nórdicas paragens
ou da Bretanha, maior.

VII
Aljezur, do Saber dos ti-Manéis,
Josés e Joões Fernandes,
Craveirinhas de Sacêra
com vacas na remada
a comer a roçar a mata,
na labuta da lavoura,
por dez tostões na jorna:
“Pórquêra” de vida!”

VIII
Aljezur minha,
na faina da pesca,
esforçados outros, ainda
Desafiando o encrespado
“Mar Português”
cantado
como “Lágrimas de Portugal”
pela Pessoa de Fernando.

IX
E, se
“Valeu a pena?”
“Se a alma não é pequena?”
Perguntem também ao Fernando,
mas o da Ofélia!

Nota: Poema rascunhado algures entre o Além-Tejo e o Algarve a caminho de Lisboa em 25.03.2007. Imagens de arquivo histórico; fotos família Craveirinha de Aljezur, Portugal (1917 e década 1930-40-60). Com fotos de João Craveirinha

*João Craveirinha*
*(Poeta, contista e artista plástico moçambicano; poema inédito)

quarta-feira, março 15, 2006

Vida é mesmo assim

"José Craveirinha na prisão"
(Desenho de João Craveirinha ª)
.
Vida é mesmo assim*

Em dia de reclusos
pela Maria e filhos passa um carro.
Um filho diz – Mamã
vai ali um amigo do papá
ele viu-nos e virou a cara.
E a Maria apenas disse – É a vida meus filhos.
Vocês hão-de ver. Quando o vosso pai sair
todos esses vão ser amigos dele outra vez.
A vida, meus filhos, é mesmo assim...
...
No velho machimbombo da carreira
um solavanco
e Maria apreensiva recomenda:
- Cuidado com a tigela.
Tudo menos entornarem
o caril de amendoim do vosso pai.
Esta foi uma das piadas do nosso quotidiano
que só mais tarde Maria me contou.
.
ª (Nota introdutória: O desenho acima foi efectuado aquando da prisão do poeta pela Pide – polícia política portuguesa, que lhe valeu cumprir uma pena de prisão entre 1965 a 1969. Este Poema dedicado à esposa e filhos, refere-se a esse período).
.
*José Craveirinha*
*(poeta moçambicano, 1922-2003)

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Quero ser Tambor


"José Craveirinha na Prisão"
(Desenho inédito de João Craveirinha feito a esferográfica em 1968 em Nachingueia)
.
Quero Ser Tambor*

Tambor está velho de gritar
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.

Nem flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.

Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.

Oh velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!

*José Craveirinha*
*(poeta moçambicano e laureado Prémio Camões, nos 3 anos do seu passamento)