O que é este Blogue?

Quando se junta uma amálgama de palavras, um conto ou um poema podem sempre emergir. A sua divulgação fará que não morram esconsos numa escura e funda gaveta. Daí que às minhas palavras quero juntar as de outros que desejem participar. Os meus trabalhos estão publicados sob o pseudónimo: "Lobitino Almeida N'gola". Nas fotos e pinturas cliquem nos nomes e acedam às fontes.

sexta-feira, maio 23, 2008

“25 de Maio - Dia Mundial de África” Leopardo

"A Aurora"
(Tela do angolano
Fernando Caterça Valentim)

Leopardo*

A noite da escuridão
tem os olhos do leopardo
faiscando diamantes.
Leopardo: fere o meu coração;
aguça os meus sentidos;
crava, usa tuas garras;

não deixes o sal
arrefecer o sangue da poesia;
não deixes a rocha
tecer o casulo da ignorância;
não deixes o cacimbo
cristalizar a alma do poeta.

Viverei eu, assim, eternamente cantando
estes e outros versos insanos e selvagens
torcidando meus sentidos,
dispersando a alma nos teus olhos leopardo,
no fulgor suave das noites
e na fúria brava das calemas.

*Namibiano Ferreira*
*(poeta angolano já citado em duas Antologias poéticas;
daqui)

segunda-feira, abril 28, 2008

Quem sou?

"Landscape"
(Tela de Paulo Nascimento, 2007;
daqui)

Quem sou?*

Quem sou
e para onde vou,
o que faço
e onde estou?
Não o sei.
Só sei que fazer nada sei,
e para onde ir eu devo.

Assim o afirmava o poeta,
e também o digo eu,
que não sou um trovador
e muito menos um bardo pateta.
Somente um aturdido
que procura o rumo,
um caminho,
uma passagem
que diga,
que aponte
para onde vou.

Se um pária não o sou,
nem marginal ainda estou;
se errando no espaço,
o meu carácter ausculta;
serei eu um amordaçado,
um desbandeirado,
um naufragado?

Não!
Isto não é verdade!
Sei o que quero,
como ir,
como fazer,
e, principalmente,
sei onde ainda estou!

Então se sei o que quero,
se sei para onde hei-de ir,
eu vou,
então porque estou inquirir
quem eu sou?

O que dúvidas desacertadas
e imateriais me provoca,
se um organismo vivo eu sou.
Umas vezes desabusado,
sempre que me deixa o ensejo;
outras e não poucas, andante,
sem nunca ir ao sabor da inanidade;
mas sempre, sempre
um ser vivo e pensante!

Sou um ser que garatuja
poemários cantantes do seu País
e do Lobito,
a sua maravilhosa cidade;
malambas e mukandas desconexas,
ensaios que ninguém evoca,
escritos sociais ou políticos
que passam e se presumem
por trilhos e caminhos esconsos,
estreitos,
ou sinuosos
que desconhecido algum pisa
ou navega.

Por isso,
e se quem sou eu sei,
porque deixo a incerteza
trovejar o coração
e a mente,
ribombar nos olhos
e no inconsciente,
os dedos tremer
e os lábios ciciar?

Ou será que…
Quem eu sou
e para onde vou,
o que faço
e onde estou,
nitidamente não o saberei.
Só sei que tudo quero fazer
e parece não saber onde estar;
no espelho a chipala,
que dormente antevejo,
pergunta,
queixita,
discute,
para onde ir eu deverei,
de uma forma positiva
e livre,
a vida trautear
quem deveras eu sou!

*Lobitino Almeida N’gola*
*(Publicado primeiramente n' O melhor da Web)
(feito na Galé em 26/Abr/2008)

quarta-feira, abril 23, 2008

Dia Internacional do Livro e do Direito de Autores: Intemporal

"Endless"
(Magnífica foto de Biliana Rakocevic)

Intemporal*

Desperta altaneira, seduzindo o beija-flor,
Flor de laranjeira tuas pétalas compõem,
Reminiscência a sombra do esplendor,
Vertentes de emoções, em aromas o ar sobrepõem.

Empresta-me a luz do teu olhar por um instante
Para que possa ver a magia do luar enamorada,
Deixei confinado em minh alma, desejo vacilante,
Minhas noites têm sido de quimera entrelaçada.

Intemporal, palavras voam junto ao vento,
Nas asas das letras triste alento,
Páginas de um romance amarelado pelo tempo.

Sonetos pintados aos sons de lágrimas
Adorno na face, cálido ninho,
Singela gota que cai, sobre o pergaminho.

*Águida Hettwer*
*(poetisa
brasileira; poema retirado daqui, 2007)

quarta-feira, março 19, 2008

Paladar

"Tele (Come)"
(Acrílico sobre tela de
Tchalê Figueira, 2004)

Paladar*

Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca

*Niki Menezes*
*(poetisa e jornalista angolana; pseudónimo de Eunice Carla M. de Menezes; poema do livro “Entre a sombra e o corpo”, 2008)

sexta-feira, março 07, 2008

Meu Filho

"Les Grandes Constructions"
(Óleo sobre tela,
Vieira da Silva, 1956)

MEU FILHO*

Meu filho!
Quando ouvires os políticos guarda silêncio
Porque quando se cansarem serás escutado
No cerro da noite não temas as sombras das árvores
Contraria-te, congratula-te pelo luar oferecido
Porque nos tempos dos temporais que decorrem
Só nos resta essa sublime dádiva divina
E quando vires um esfomeado arrastar-te no teu caminho
Nunca o desprezes! Ele indica o caminho da espera
Aos que desviaram maliciosamente os caudais das riquezas ilícitas
Para a democracia das contas secretas da Suiça

No dia-a-dia passarinheiros imitarão o canto de sereia das promessas
Repetirão sem exaustão sempre o prometido
E nas iguais odes e sonatas escutadas por todo o lado
Perdurarão sempiternos trovadores místicos
E jograis que não serão mais escutados
Na tormenta das cidades não absorvas as multidões
Afasta-te, observa-as
Verás um universo circense, muita palhaçada

Nas muitas horas vadias não te dás conta
Do tempo que te resta, que te falta para viveres
Irremediavelmente já te passaram muitos anos
Na máquina do teu tempo
Despertas porque já não tens mais horas vagas
Na recuperação do tempo perdido
Conheces muitas pessoas mas, nunca conhecerás nenhuma
Se não conheceres profundamente uma delas
E quando finalmente só e abandonado
Relembra-te que os teus pais
No silêncio tumbal aguardam a tua companhia
Estão, estarão sempre contigo

*Gil Gonçalves*
*(um português algures em Angola; original de Março de 2008)

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Incerteza

"o caminho parou longe..."
(Desenho de João Azevedo e Silva)


Incerteza*
(Angola ausente)


Sinto
no ar
no silêncio
no ruído
na luz
e na escuridão
auréolas
do teu corpo
mensagens
de tua alma.

Quero
prendê-las
tocá-las
absorvê-las.

Tento
juntá-las
erguê-las
formar teu ser
palpável.

Em vão…

Persisto
pois
rasgando
o espaço
e o tempo
buscando
na comunicação
de nós dois
a certeza de que existo.

*João de Azevedo e Silva*
(poesia de Angola; da obra Angola: Quotidiano I)

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Fala da rainha de regresso ao Kimbo

"Tempestade no deserto do Namibe"
(O deserto da infância de Ruy de Carvalho; foto de
Saiago)

Fala da rainha de regresso ao Kimbo*

O capitão chegou
viu e venceu.
É a sua força
de matar-me os homens.
Minha porém, maior,
é a ciência
de entender os astros.
à mão que fere e mata
oponho uma colheita de segredos.
A terra é minha
e dela me entronizo.
às gerações delego
a reconquista.
O tempo que me serve
é de outra cor
e o sol decidirá
a cor do mando.
Irmãos ouvi-me bem
eu sou rainha.
Quem vos governa os corpos
saberá
das outras heranças
para que me guardo.

De que futuro pode haver temor
para quem tanto acumula de passado?


*Ruy Duarte de Carvalho*
*(angolano; poema da obra “Memória de tanta guerra (Antologia Poética)”, 1992, edições Vega;
daqui)