"Cortando Café, Atitlán"
(Tela de Matias Gonzalez Chavajay)
Café das noites angolanas*
O café acompanha-me de há muito. Foi lá longe, onde a saudade castiga mais, que aprendi a amar o sonho e a sonhar com o amor. O café, companheiro fiel, estava sempre ao meu lado. Nas noites de boémia, como despertador da vida, e nas noites de trabalho, como sintonizador da realidade. Era, como diria Sebastião Coelho,... o Café da Noite.
E de dia? Claro que também. Servia, aliás, como «desculpa» para que no Himalaia (um dos mais conhecidos bares de Nova Lisboa) a malta se encontrasse para discutir um pouco de tudo e de tudo um pouco.
Recordo (permitam-me este regresso) que o Zé Pedro, empregado aprumado e sempre eficiente, nunca me servia só o café. Ia bem mais longe. Ainda eu estava a entrar no Himalaia e já a bica, o jornal (A Província de Angola) e um maço de cigarros (AC) entravam em cena na mesa habitual. A tudo isto, uma vez por semana, o Zé Pedro juntava algo mais: a revista «Notícia» e, reparem, já aberta na página de «A chuva e o bom tempo», do João Fernandes.
Creio que o Zé Pedro foi assassinado nos finais de 1975. À tua memória, caro Zé Pedro, ergo mais uma chávena de café.
Por cá, nas ocidentais e poluídas praias lusitanas, o café tem sido amargo. Mesmo assim, a tal Carta a Garcia está cada vez mais perto do destinatário. Pelo caminho foi preciso derrotar os que me aconselhavam a deitar a carta na primeira valeta.
É claro que, no meio desses, apareceram alguns que me ajudaram a tirar pedras do caminho, a desminar promessas e a adoçar o café. Reconheço, contudo, que também essas vicissitudes foram úteis. Ajudaram-me a compreender que o possível se faz sem esforço, tal como me permitiram entender que a obra-prima do Mestre não é a mesma coisa que a prima do mestre-de-obras. Infelizmente muitos de nós (já para não falar de muitos dos outros) continuam a confundir a beira da estrada com a estrada da Beira.
Entre dias sem pão (e foram muitos) e pão sem dias (foram mais ainda) cá cheguei. E cheguei continuando, no essencial, a acreditar no (im)possível.
Para mim, como se comprova neste desabafo alentado com a perspectiva de um saboroso e revitalizante Café Lusófono, o amanhã começa ontem. E é isso que (pelo menos comigo) continua a acontecer.
Tentarei o impossível (o possível faço eu todos os dias) para, nas chávenas das palavras, entre dois cafés, ajudar a construir páginas da História de Lusofonia. Não sei se terei engenho e arte para tal, mas de uma coisa tenho a certeza: não há comparação entre o que perde por fracassar e o que se perde por não tentar.
E tentar é coisa a que estamos todos habituados. Por isso... Venha daí um Café, se não for angolano que seja, pelo menos, lusófono.
*Orlando Castro*
*(jornalista angolano-português; conto inédito)
(Tela de Matias Gonzalez Chavajay)
Café das noites angolanas*
O café acompanha-me de há muito. Foi lá longe, onde a saudade castiga mais, que aprendi a amar o sonho e a sonhar com o amor. O café, companheiro fiel, estava sempre ao meu lado. Nas noites de boémia, como despertador da vida, e nas noites de trabalho, como sintonizador da realidade. Era, como diria Sebastião Coelho,... o Café da Noite.
E de dia? Claro que também. Servia, aliás, como «desculpa» para que no Himalaia (um dos mais conhecidos bares de Nova Lisboa) a malta se encontrasse para discutir um pouco de tudo e de tudo um pouco.
Recordo (permitam-me este regresso) que o Zé Pedro, empregado aprumado e sempre eficiente, nunca me servia só o café. Ia bem mais longe. Ainda eu estava a entrar no Himalaia e já a bica, o jornal (A Província de Angola) e um maço de cigarros (AC) entravam em cena na mesa habitual. A tudo isto, uma vez por semana, o Zé Pedro juntava algo mais: a revista «Notícia» e, reparem, já aberta na página de «A chuva e o bom tempo», do João Fernandes.
Creio que o Zé Pedro foi assassinado nos finais de 1975. À tua memória, caro Zé Pedro, ergo mais uma chávena de café.
Por cá, nas ocidentais e poluídas praias lusitanas, o café tem sido amargo. Mesmo assim, a tal Carta a Garcia está cada vez mais perto do destinatário. Pelo caminho foi preciso derrotar os que me aconselhavam a deitar a carta na primeira valeta.
É claro que, no meio desses, apareceram alguns que me ajudaram a tirar pedras do caminho, a desminar promessas e a adoçar o café. Reconheço, contudo, que também essas vicissitudes foram úteis. Ajudaram-me a compreender que o possível se faz sem esforço, tal como me permitiram entender que a obra-prima do Mestre não é a mesma coisa que a prima do mestre-de-obras. Infelizmente muitos de nós (já para não falar de muitos dos outros) continuam a confundir a beira da estrada com a estrada da Beira.
Entre dias sem pão (e foram muitos) e pão sem dias (foram mais ainda) cá cheguei. E cheguei continuando, no essencial, a acreditar no (im)possível.
Para mim, como se comprova neste desabafo alentado com a perspectiva de um saboroso e revitalizante Café Lusófono, o amanhã começa ontem. E é isso que (pelo menos comigo) continua a acontecer.
Tentarei o impossível (o possível faço eu todos os dias) para, nas chávenas das palavras, entre dois cafés, ajudar a construir páginas da História de Lusofonia. Não sei se terei engenho e arte para tal, mas de uma coisa tenho a certeza: não há comparação entre o que perde por fracassar e o que se perde por não tentar.
E tentar é coisa a que estamos todos habituados. Por isso... Venha daí um Café, se não for angolano que seja, pelo menos, lusófono.
*Orlando Castro*
*(jornalista angolano-português; conto inédito)
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