O que é este Blogue?

Quando se junta uma amálgama de palavras, um conto ou um poema podem sempre emergir. A sua divulgação fará que não morram esconsos numa escura e funda gaveta. Daí que às minhas palavras quero juntar as de outros que desejem participar. Os meus trabalhos estão publicados sob o pseudónimo: "Lobitino Almeida N'gola". Nas fotos e pinturas cliquem nos nomes e acedam às fontes.

quarta-feira, maio 31, 2006

Dia Mundial da Criança: O Vínculo do Amor

.

O Vínculo do Amor*

Sonhava...
era a criança que beijava bonecas,
preparava mamadeiras, banhos,
trocava roupinhas
e cantava canções de embalar.
Sonhava...
que teria uma imensa barriga
e dois corações pulsando,
um no peito
e outro naquela barriga.
Sonhava...
com o momento sublime
de escutar o choro do seu bébé.
tão acalentado e amado
nos sonhos infanto-juvenis.
Sonhava...
que teria bastante leite para alimentá-lo,
o leite que ele encontraria
bem próximo a seu coração.
Sonhava...
quem não sonhou um dia
certamente não foi criança,
é o sonho quem ajuda a gente a crescer.
Quando cresceu,
precisou parar de sonhar,
e esperar a chegada daquele bébé,
sonhado e nunca sentido
na barriga(que não cresceu).
Um dia, acordada,
acariciou aquela criança,
que sempre esteve presente,
como vida em sua vida,
como as batidas do coração.
Naquele dia inesquecível....
a reconheceu como num encanto,
e soube que ela já havia sido beijada
por outros lábios,
abraçada por outros braços.
Naquele momento, seu coração,
se fez ninho para acolhe-la
e ela adormeceu nele, tornando real
o vinculo do amor...
... A ADOPÇÃO

*Marinalva de Sena Brandão*
*(brasileira; retirado do livro "Laços de Ternura"; editado no blogue “Eu adoptei”, 2004)

Dia Mundial da Criança: A Viagem da adolescência


A Viagem da adolescência*

Esta é a viagem que todos fazemos,
E em que nos transformamos e aparecemos

Nesta altura marada,
Fazemos tanta coisa certa e errada
Gritamos, beijamos e ajudamos.

Sem dúvidas nem segredos,
Nos tornamos em algo bom ou mau,
Consoante a nossa experiência
Durante a nossa conturbada adolescência.

*Patrícia Soares*
*(nova vaga da poesia portuguesa; extraído do livro/diário “Confissões de Juanita” elaborado pelos alunos da escola EB 2/3 de Telheiras, Lisboa, 2004/2005)

sexta-feira, maio 26, 2006

Conto da vida real 4: Café das noites angolanas

"Cortando Café, Atitlán"
(Tela de
Matias Gonzalez Chavajay)

Café das noites angolanas*

O café acompanha-me de há muito. Foi lá longe, onde a saudade castiga mais, que aprendi a amar o sonho e a sonhar com o amor. O café, companheiro fiel, estava sempre ao meu lado. Nas noites de boémia, como despertador da vida, e nas noites de trabalho, como sintonizador da realidade. Era, como diria Sebastião Coelho,... o Café da Noite.

E de dia? Claro que também. Servia, aliás, como «desculpa» para que no Himalaia (um dos mais conhecidos bares de Nova Lisboa) a malta se encontrasse para discutir um pouco de tudo e de tudo um pouco.

Recordo (permitam-me este regresso) que o Zé Pedro, empregado aprumado e sempre eficiente, nunca me servia só o café. Ia bem mais longe. Ainda eu estava a entrar no Himalaia e já a bica, o jornal (A Província de Angola) e um maço de cigarros (AC) entravam em cena na mesa habitual. A tudo isto, uma vez por semana, o Zé Pedro juntava algo mais: a revista «Notícia» e, reparem, já aberta na página de «A chuva e o bom tempo», do João Fernandes.

Creio que o Zé Pedro foi assassinado nos finais de 1975. À tua memória, caro Zé Pedro, ergo mais uma chávena de café.

Por cá, nas ocidentais e poluídas praias lusitanas, o café tem sido amargo. Mesmo assim, a tal Carta a Garcia está cada vez mais perto do destinatário. Pelo caminho foi preciso derrotar os que me aconselhavam a deitar a carta na primeira valeta.

É claro que, no meio desses, apareceram alguns que me ajudaram a tirar pedras do caminho, a desminar promessas e a adoçar o café. Reconheço, contudo, que também essas vicissitudes foram úteis. Ajudaram-me a compreender que o possível se faz sem esforço, tal como me permitiram entender que a obra-prima do Mestre não é a mesma coisa que a prima do mestre-de-obras. Infelizmente muitos de nós (já para não falar de muitos dos outros) continuam a confundir a beira da estrada com a estrada da Beira.

Entre dias sem pão (e foram muitos) e pão sem dias (foram mais ainda) cá cheguei. E cheguei continuando, no essencial, a acreditar no (im)possível.

Para mim, como se comprova neste desabafo alentado com a perspectiva de um saboroso e revitalizante Café Lusófono, o amanhã começa ontem. E é isso que (pelo menos comigo) continua a acontecer.

Tentarei o impossível (o possível faço eu todos os dias) para, nas chávenas das palavras, entre dois cafés, ajudar a construir páginas da História de Lusofonia. Não sei se terei engenho e arte para tal, mas de uma coisa tenho a certeza: não há comparação entre o que perde por fracassar e o que se perde por não tentar.

E tentar é coisa a que estamos todos habituados. Por isso... Venha daí um Café, se não for angolano que seja, pelo menos, lusófono.


*Orlando Castro*
*(jornalista angolano-português; conto inédito)

quarta-feira, maio 24, 2006

É Dia de África

"Julgamento"º
(Acrílico sobre comprensado de madeira, de Malangatana, 1966)
.
É Dia de África*

Olh'é Dia de África!!!
Pois é…
como se o 25 de Maio
fosse o único dia
que África necessita
neste sistema sapal
onde muitos
se engendram,
parecem
e são
filantes ou sipaios,
corruptos e decrépitos,
ditadores ou senis.

É Dia de África!!!
Pois é…
tal como os outros dias
onde a vergonha
e falta de pudicícia
a apreensão e a sedição,
a míngua e a penúria,
o nepotismo e a corrupção,
a doença e a falta de prevenção
vivem em harmonia perfeita.

É Dia de África!!!
Pois é…
com um povo famélico que clama,
a o Mundo que observa
impávido e pacato
sempre pronto nas oferendas
que nunca,
ou tarde,
chegam…

É Dia de África!!!
Pois é…
para um Continente rico
em petróleo
e recursos hídricos,
em veios auríferos
e rios diamantíferos
mas…
uma cólera que se espalha
o sida que não pára
um paludismo endémico
um qualquer vírus que germina
um Continente mais que epidémico.

É Dia de África!!!
Pois é…
mas como gostava
que África
fosse notícia,
sempre novidade,
não por este dia,
não pela miséria,
não pela enfermidade
não pela corrupção;
que fosse
porque este dia,
é só,
deve ser,
mais um
entre 365 fúteis dias
de alguma normal reprodução
de um qualquer frívolo almanaque.

É Dia de África!!!
Pois é…
é tudo isso,
e muito mais que se não diz…
Mas é a minha África!!!!

*Lobitino Almeida N’gola
(Lisboa, 24.Maio.2006)
º (Pintura retirada do catálogo "Malangatana, Pintura" da Galeria Municipal Artur Bual, Amadora, 2000)

Dia de África: Quando o luar

"Praia de Boa Viagem, Recife"
(Foto de
Lucy Passos, 2003)
.
Quando o luar*

Quando o luar caiu e
tingiu de escuro os verdes da ilha
cheguei, mas tu já não eras.

Cheguei quando as sombras revelavam
os murmúrios do teu corpo
e não eras.
Cheguei para despojar de limites o teu nome.
Não eras.

As nuvens estão densas de ti
sustentam a tua ausência
recusam o ocaso do teu corpo
mas nao és.

*Conceição Lima*
*(
poeta santomense; in “Vozes poéticas da lusofonia”, Sintra, 1999)

Dia de África: Perturbação mental

"A ténue luz do ouro"
(Acrílico sobre tela, de António Olé, 1991)
.
Perturbação mental*

Na esperança um dia, à minha terra voltar
sonhava que alguém por ti me mandasse chamar
cansei-me de não ver esse corpo, esse chão
crescendo em mim, uma enorme emigrante saudade.

Vivo na raiva e revolta de ter partido
sem conseguir odiar alguém
sinto-me tão longe
que me tornei de mim, desiludido

Confundo-me nas minhas culpas
e naqueles que não quero culpar
mas por muito que tenha passado
não consigo deixar de te amar

Nesta perturbação mental permanente
até como minha mulher, já te imaginei
mas todas as que vi passar ou possuí
nenhuma como a ti minha terra eu amei!

*Jorge Pessoa*
*(poeta angolano; in “Angola, A obsessão”, ed. Kilombelombe, 2005)

Dia de África: Poema

"Visão"
(Escultura em madeira de
Masongi Afonso)
.
Poema*

O comboio que vem com as lúcidas nortadas
corta o veludo negro do cacimbo
e os homens nos wagons sabem a sangue
despertam as moscas de seu longo Inverno.

Os homens nos wagons
com a saudade errada de um sabor que paira
um sabor de canho e mágoa

O comboio que vem com as nortadas
derrama na savana
o leite azedo
o leite espesso
o leite antigo de uma saudade de homens nos wagons

A saudade dos homens nos wagons
é cólera, revolta e dor.

O comboio que volta durante as nortadas
fere o cacimbo da savana
com o gemido dos homens nos wagons.

*Fernando Ganhão*
*(poeta moçambicano; poema retirado da Antologia Temática da Poesia Africana 1, compilada por Mário de Andrade, ICL,1980)