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Quando se junta uma amálgama de palavras, um conto ou um poema podem sempre emergir. A sua divulgação fará que não morram esconsos numa escura e funda gaveta. Daí que às minhas palavras quero juntar as de outros que desejem participar. Os meus trabalhos estão publicados sob o pseudónimo: "Lobitino Almeida N'gola". Nas fotos e pinturas cliquem nos nomes e acedam às fontes.

quinta-feira, janeiro 12, 2006

Conto angolano 3: Tito – o construtor de Toyotas

"criança com um brinquedo de arame" (retirado daqui)

Tito – o construtor de Toyotas*
Já lá vão trinta e tal anos. As chamadas Águas Quentes do Alto Hama, em Angola, uma espécie rudimentar mas pura de termas, eram um dos locais habituais onde, por o horizonte saber a infinito, eu passava os fins de semana e, nos derradeiros tempos, as semanas do fim.

Das pessoas que frequentavam o local pouco recordo, para além de alguns amigos sonhadores que, no meio de umas churrascadas e de umas tantas grades de cucas, davam largas à imaginação.

No entanto, um morador nas redondezas é para mim sinónimo daque local. Não existem Águas Quentes sem ele e, certamente para mim, sem ele aquele local nunca seria o mesmo.

Era o Tito. Um puto albino que estava sempre lá, calmo e sereno como antevendo que não valia a pena chatices. Sorria, falava pouco mas tinha um olhar tão vago e penetrante como o pôr do sol.

Junto ao asfalto da estrada para Luanda, o Tito montava o seu negócio. Com carolos de milho, cápsulas de cerveja e uns pedaços de arame, construia os automóveis que vendia a todos quantos amassem verdadeiras obras primas do artesanato.

Apesar de serem diversos os modelos, uns mais desportivos outros mais de serviço, o Tito só fabricava uma marca: Toyota. Nenhuma outra conseguiu cativar o Tito, aquele puto albino de olhar tão vago e penetrante como o pôr do sol.

Comprei-lhe vários modelos e, não fora o canibalismo daqueles que nunca tiveram a honra de conhecer o Tito, ainda hoje os poderia ter. Penso que esses Toyotas do Tito estarão algures no fundo mar junto a Moçamedes, local onde foram guardados para a eternidade os caixotes daqueles cujo único erro que cometeram foi amarem Angola.

No entanto, como hoje aqui comprovo, o Tito, aquele puto albino de olhar tão vago e penetrante como o pôr do sol, deixou no meu coração um dos seus últimos Toyotas.

Obrigado Tito.

*Orlando Castro*
*(Jornalista Angolano-português; conto inédito)

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